Aprendo a ser brasileiro. Na literatura, diz-se que um narrador distanciado fala com mais propriedade do fato narrado. Aquele caboco apelidado de 3a. pessoa, p. exemplo, que tudo sabe e tudo narra, esse cara tá com uma câmera que tudo vê. Para ver tudo, ele precisa, de certa forma, de se afastar da "coisa" observada.
Aprendo a ser brasileiro. Notei isso desde a primeira vez que cruzei a fronteira, visitando los hermanos hispanohablantes. Viajar é ótimo, voltar pra casa é melhor ainda. No berço, os bebês brasileiros já aprendem a reclamar do país onde vivem. Enquanto mamam, escutam as mães reclamarem da qde de impostos escondidos no preço do leite. Quando pisam na escola, tomam conhecimento do descaso do governo com a educação. Quando vão pela primeira vez a um hospital, ouvem comentários sobre o sistema de saúde impecável dos países do norte europeu. Quando votam, têm absoluta certeza de que escolhem um político com 100% de chance de ser corrupto e que o Brasil não tem jeito, apesar de todo o jeitinho brasileiro.
Aprendo a ser brasileiro. Aqui, bem longe de casa. Só assim tão longe dá pra ver o Brasil como um todo, porque ele é grande, rico, cheio de cultura, história, vida, energia, paixão. Também no berço, aprendemos que as nossas universidades são sempre piores que as européias, que a tecnologia deles é sempre melhor que a nossa, que se comparada a educação e até mesmo a inteligência deles não temos chance, essas coisas. Esse post não pretende de forma alguma esconder aquilo que temos de melhorar. Por outro lado, que rico sou eu por ser brasileiro e como foi/é importante conhecer o longe pra falar do perto.
Aqui fora os estereópicos típicos são muito fortes. É chato responder sempre se jogo futebol e pulo carnaval, até porque sou reserva na pelada e do carnaval eu pulo fora. É chato responder perguntas sobre a "fartura" das mulheres brasileiras, tentar traduzir letra de funk e dizer que moro em Belo Horizonte, e não no Rio ou em São Paulo. Mas isso é o que se vende aqui, e o(a) vendedor(a) costuma ser brasileiro. Paciência..
Aprendo a ser brasileiro. Nunca gostei tanto de música brasileira, como gosto agora. Nunca gostei tanto da comida brasileira, de misturar arroz, batata, macarrão e todos os outros carboidratos juntos, de comer mexido e tomar suco e café com açucar, como gosto agora. Vou sentir falta da água quente da pia da cozinha daqui, mas sinto mais falta ainda da água gelada da cachoeira que está a 1h de casa. Nunca gostei tanto, como agora, de um abraço brasileiro, de um aperto de mão brasileiro, com força, sem jeito, verdadeiro. Como agora, nunca gostei tanto do improviso brasileiro, de pensar num plano B, C, de não planejar, fazer. Nunca, como agora, gostei tanto de sorrir, falar alto, de dançar, chegar atrasado.
A ser brasileiro, aprendo. A falar brasileiro, português brasileiro. A cantar brasileiro, a ter jeitinho e sotaque brasileiro, ainda que fale alemão. A Alemanha é um sonho, me arrependeria amargamente se pra cá não tivesse viajado. Mas o que torna esse intercâmbio tão especial é ter a passagem de volta pra casa comprada. Como vai ser bom voltar pra casa, como é bom ser brasileiro.