sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Muro.

Belo Horizonte, 1961. No início do ano ele decide se mudar do bairro Serra para o Prado. Era mais fácil pegar o bonde de lá e seguir pela então arborizada Av. Amazonas, rumo à Pontifícia Universidade Católica do bairro Coração Eucarístico, ainda despovoada da hodierna paisagem de concreto. Ela continua morando na Serra, porque ali também residem seus pais.
13/08/61. A cidade, em plena guerra fria, é surpreendida com a instalação de um gradeamento metálico por toda a extensão da Avenida Afonso Pena. Um muro dividiu Belo Horizonte em oriente e ocidente, em capitalismo e socialismo. Naquela noite ela estava na serra. Ele dormiu em sua nova casa, no prado. Entre ambos, um muro que os separou por 40 anos. Próximo ao pirulito da praça sete havia uma torre enorme com soldados armados que vigiavam, com olhares rigorosos, a fronteira da Belo Horizonte Oriental com a Belo Horizonte Ocidental.
Muitas coisas diferenciavam as duas Belo Horizontes. No ocidente: carros de diferentes marcas, livre comércio, moda, liberdade de imprensa e tecnologia. No Oriente: igualdade social, aluguéis irrisórios. Todos tinham trabalho, todos tinham um fusca. Típico da Belo Horizonte Oriental eram os blocos habitacionais padronizados, aos moldes do prédio JK a e JK b. Para mostrar que também gozavam de tecnologia e riqueza, o governo da Belo Horizonte Oriental decidiu construir um prédio que poderia ser visto de qualquer ponto de ambos os lados da cidade. Ergueu-se o “Tomara que Caia”.

Belo Horizonte Oriental e Ocidental, que por 40 anos pertenceram a países distintos, desenvolveram um estilo de vida próprio, roupas diferentes, gírias típicas. Os belo-horizontinos ocidentais chamavam os orientais de caipira. Os belo-horizontinos orientais chamavam os ocidentais playboys/patricinhas. Na verdade, sempre que alguém trazia escondido pão-de-queijo do ocidente, era uma festa. E os que conseguiram sair do oriente, foram recebidos com alegria no ocidente.
09/11/1989. O muro que cortava Belo Horizonte ao meio caiu.

20 e poucos anos depois, fui visitar a cosmopolita e unificada Belo Horizonte. Havia lido muito sobre sua história, costume, sobre as duas sociedades que lá se instalaram, sobre tentativas de fuga, protestos, sobre sua (multi)cultura. Estar nessa cidade, ainda que por apenas 4 dias, fez-me sentir também parte de sua história, que passou a ser um pouco minha.
Esse post, que parece fantasioso, é uma paródia e tradução livre do acontecido em Berlim, nesse intervalo de tempo citado no texto, em analogia ao espaço físico de Belo Horizonte, meu lar-doce-lar. As referências são, portanto, de fácil entendimento àqueles que conhecem a cidade. Nada que um pouco de imaginação não possa resolver, digo, para os que não desfrutam do nosso belo horizonte. O brincar com a história foi, acima de tudo, uma tentativa de reconstituir o que foi, para mim, conhecer Berlim.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ser brasileiro

Aprendo a ser brasileiro. Na literatura, diz-se que um narrador distanciado fala com mais propriedade do fato narrado. Aquele caboco apelidado de 3a. pessoa, p. exemplo, que tudo sabe e tudo narra, esse cara tá com uma câmera que tudo vê. Para ver tudo, ele precisa, de certa forma, de se afastar da "coisa" observada.

Aprendo a ser brasileiro. Notei isso desde a primeira vez que cruzei a fronteira, visitando los hermanos hispanohablantes. Viajar é ótimo, voltar pra casa é melhor ainda. No berço, os bebês brasileiros já aprendem a reclamar do país onde vivem. Enquanto mamam, escutam as mães reclamarem da qde de impostos escondidos no preço do leite. Quando pisam na escola, tomam conhecimento do descaso do governo com a educação. Quando vão pela primeira vez a um hospital, ouvem comentários sobre o sistema de saúde impecável dos países do norte europeu. Quando votam, têm absoluta certeza de que escolhem um político com 100%  de chance de ser corrupto e que o Brasil não tem jeito, apesar de todo o jeitinho brasileiro.



Aprendo a ser brasileiro. Aqui, bem longe de casa. Só assim tão longe dá pra ver o Brasil como um todo, porque ele é grande, rico, cheio de cultura, história, vida, energia, paixão. Também no berço, aprendemos que as nossas universidades são sempre piores que as européias, que a tecnologia deles é sempre melhor que a nossa, que se comparada a educação e até mesmo a inteligência deles não temos chance, essas coisas. Esse post não pretende de forma alguma esconder aquilo que temos de melhorar. Por outro lado, que rico sou eu por ser brasileiro e como foi/é importante conhecer o longe pra falar do perto.

Aqui fora os estereópicos típicos são muito fortes. É chato responder sempre se jogo futebol e pulo carnaval, até porque sou reserva na pelada e do carnaval eu pulo fora. É chato responder perguntas sobre a "fartura" das mulheres brasileiras, tentar traduzir letra de funk e dizer que moro em Belo Horizonte, e não no Rio ou em São Paulo. Mas isso é o que se vende aqui, e o(a) vendedor(a) costuma ser brasileiro. Paciência..


Aprendo a ser brasileiro. Nunca gostei tanto de música brasileira, como gosto agora. Nunca gostei tanto da comida brasileira, de misturar arroz, batata, macarrão e todos os outros carboidratos juntos, de comer mexido e tomar suco e café com açucar, como gosto agora. Vou sentir falta da água quente da pia da cozinha daqui, mas sinto mais falta ainda da água gelada da cachoeira que está a 1h de casa. Nunca gostei tanto, como agora, de um abraço brasileiro, de um aperto de mão brasileiro, com força, sem jeito, verdadeiro. Como agora, nunca gostei tanto do improviso brasileiro, de pensar num plano B, C, de não planejar, fazer. Nunca, como agora, gostei tanto de sorrir, falar alto, de dançar, chegar atrasado.

A ser brasileiro, aprendo. A falar brasileiro, português brasileiro. A cantar brasileiro, a ter jeitinho e sotaque brasileiro, ainda que fale alemão. A Alemanha é um sonho, me arrependeria amargamente se pra cá não tivesse viajado. Mas o que torna esse intercâmbio tão especial é ter a passagem de volta pra casa comprada. Como vai ser bom voltar pra casa, como é bom ser brasileiro.

sábado, 6 de novembro de 2010

Fazendo compras

Quando se chega em um país estrangeiro, coisas aparentemente simples se tornam absurdamente difíceis. Exemplo? Fazer compras!



Antes de chegarmos ao ponto às compras em questão, hablemos um pouco sobre a famosa organização alemã, que implica também no fato de que não se vê carrinho de supermercado espalhado em corredores, estacionamentos, ou andando desgovernados rua abaixo.

Warum? Why? Pero, ¿cómo? Por quê, uai?

Motivo simples: bufunfa, dindin, trocado, “plata”, “cafezinho”, moedinha, etc. A estratégia é de fato simples e funcional, como demonstrado na ilustração abaixo. Prende-se um carrinho ao outro com uma corrente, cuja ponta possui um encaixe que só se solta ao colocar uma moedinha de 1 ou 2 euros (varia de supermercado). Isto feito, o carrinho fica à sua disposição e boas compras! Ah, detalhe: o carrinho gira por todos os lados. É incrível, não sei se é azar, mas sempre que vou ao supermercado pego um carrinho que ou não vira pra direita, ou não vira pra esquerda, ou quer simplesmente ficar rodando em círculos. Quer seu dinheiro de volta? Devolva o carrinho no mesmo lugar, na casa dos carrinhos e, após encaixar a corrente, plin! Ele cospe a moedinha pra fora.



Desafio 1: idioma. É muito difícil comprar coisas quando não se entende direito o que está escrito na embalagem. Na escolinha, a gente aprende que Reis significa arroz. No supermercado, a gente aprende que o arroz nunca vem sozinho. Tá sempre acompanhado de uma outra palavra que deixa na dúvida sobre o conteúdo da coisa, por assim dizer.: Langkornreis, Rundkornreis, Naturreis, Milchreis, etc. (em línguas de índio como a alemã, em vez de dizer “arroz natural”, diz-se naturalarroz, tudo junto).

Desafio 2: onde está o Wally? Parece coisa do Mister M. No Brasil, estava acostumado a comprar um produto x, sei lá, açúcar, sempre num saco plástico, com peso variado. A reação natural é procurar o produto pela sua embalagem, e não pelo nome. Erro fatal.. o açúcar do sup. onde compro vem numa caixinha de papel retangular, com um desenho engraçado. Até hoje também não sei por que o sal e o tempero ficam pertinho dos cosméticos.

Desafio 3: Preparar, apontar, fogo! Felipe Massa ficaria com inveja da velocidade com q os vendedores passam os produtos no leitor óptico. Uau, eficiência alemã! Mas.. sabe aquele espaço depois do caixa onde as coisas ficam pra gente empacotar tudo? Ele é minúsculo. Ah, sacola de plástico também num tem não. Ou traz de casa, ou tem que comprar como um produto normal. Resultado, desespero pra colocar tudo na mochila, ou carregar tudo na mão até uma espécie de mesa, onde voltamos a respirar e guardar as coisas com calma. Ah, depois de pagar, o(a) caixa começa a passar a compra da pessoa seguinte, numa maneira sutil de dizer “tchau”.

Quer se divertir num website de supermercado alemão? Tenta esse aqui ó: Kaufland

domingo, 24 de outubro de 2010

Visita da Carol

Recapitulando: eu e Carol, além de nos amarmos muito, temos várias coisas em comum. Ela torce pro Cruzeiro, eu também; ela gosta de Nutela, eu também; estuda letras, eu também; ela estuda alemão, eu também. O resultado da mistureba de gostos não podia ser outro: ela foi pra Alemanha, eu também.

Carol foi pra Colonia (Köln) e eu pra Jena (Jena - pronuncia-se como se o "j" fosse um "i" - Iena). Conseguimos nos organizar (leia-se: Carol conseguiu se organizar) pra ela vir aqui em Jena me visitar. Coisa rápida, chegou na quinta à noite e foi-se embora no domingo à tarde. Mas foi tão bom! ;o)

(Gustavo e Carol em Weimar - que fica a +/- 18min de Jena)

Relembrando nossas coisas em comum: Gustavo gosta de roupa velha, Carol tamb.. ops. Carol num gosta não. Não só não gosta de suas próprias roupas velhas, como também não gosta das minhas e de todos os buracos que nelas se encontram, buracos esses que levei tanto tempo pra fazer. Resultado: toalha nova, bota nova, camisa, blusa de frio, até o fio dental agora é novo!

Mas se fiquei por um lado mais pobre, por outro mais rico, porque sua companhia, Carol, me faz tão bem! Foram dias de sol, apesar da chuva, de alegria, apesar do frio. (lov u ;o) )


Lud, Carol, Gustavo (conterrâneos) e Carlos (baiano arretado)

O que que mineiros e baianos têm em comum? O sotaque não é, mas o papo na badalada Wagnergasse de Jena rendeu bem, especialmente acompanhado de um Trinkschokolade mit Sahne (um chocolate quente com um creme que é tão delicioso quanto caro).




A Carol é sinônimo de carinho, é sinônimo de amor, de amizade, Carol é sinônimo de dedicação, Carol é sinônimo de viagem, de aventura, de sorriso, de companhia. Carol, é simplesmente a Carol.

domingo, 17 de outubro de 2010

Erfurt e a Zitadelle Petersberg

Oi!

Em Jena funciona assim: os estudantes pagam uma taxa no início do semestre (Semesterbeitrag), que nos dá direito a utilizar o transporte público de Jena gratuitamente, bem como o transporte dos trens regionais em toda a Turíngia (nome do estado onde fica Jena). Assim sendo e sendo assim, estive em Erfurt, capital da província.

(foto dedicada a Marcus Vinícius Papa Lobo)

Pois bem. Erfurt é muito bonito (assim como tudo o que vi até agora). Lá tem a "Zitadelle Petersberg", que foi um forte da Prússia entre os séculos 17. e 18. Após isso o lugar foi utilizado para diversos fins. na época da Alemanha Oriental - a socialista (ah, Jena fica na antiga Alemanha Oriental), foi construído um prédio que guardava arquivos da "Stasi" (Staatssicherheitsdienst = algo como "Serviço de Segurança do Estado") que se tornou um museu. Lá é possível ver objetos de espionagem utilizados à época, dos mais discretos gravadores que ocupavam o espaço de uma bolsa de mulher cheia de badulaques (ou seja, um gravador/uma bolsa muito grande),  como câmeras escondidas instaladas nas coisas mais bizarras, tipo num regador.




O forte em si é uma beleza à parte. Tem graminha pra tirar uma soneca depois do almoço, do alto do forte há uma vista chique-toda-vida da cidade ou uma caminhada em si dentro do forte - que é relativamente grande (dava pra toda a torcida do américa morar lá) já vale a pena.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Mais um blog?

Primeiramentemente é bom explicar-se-se o porquê deste. É bom deixar obviamente claro que eu não sou lá (nem acolá) fã de blog e nem quero ficar com sono e sonolento pra escrever textos tipo Top 10 Bloggers 2010. Mas convenhamos que é estrogonoficamente fácil dar notícia daqui, em vez de copiar o mesmo e-mail trocando o nome do amigo pra atualizar das notícias do intercâmbio.

Isto posto (e assim sejar-se-á), não pensei em regra, tipo, frequência, textura e longura de postagens. Até porque sou desinteressantemente suficientemente leigo pressas coisas. E não é porque inventei uma vez na vida de estudar letras que precisarei-se-á escrever correctamente.

Comecemos.


Pra provar que todo mundo aqui na Alemanha anda de trem (e trem aqui tem vários nomes: S-Bahn, U-Bahn, Etc-Bahn), nada melhor do que começarmos com a charmosa entrada duma subestação em Frankfurt, em frente a um parque muito bonito que não pude visitar por chegar 15 minutos antes do seu fechamento (atraso na Alemanha é quase um crime).



Ainda na linha de provas e expiações (piadinha espiritista), provar-me-ei aqui encontrar-me, sob um céu claro e agradabilíssima temperatura, ao lado da encantadora Carol (lov u) e da sorridente e simpática Lud, ambas guerreiras intercambistas que enfrentaram todos os formulários e todas as burocracias pra chegar até aqui na Alemanha e gastar todo o dinheiro que não temos.

Assim sendo, dar-se-a-remos início a essa série de publicações ao longo do outono/inverno alemão, em função do sonho do intercâmbio realizado - leia-se: em andamento. (um abraço pro papai, pra mamãe e pra xuxa).